O meu primeiro contato com a perda foi aos 8 anos quando não acompanhei o enterro da minha avó, fiquei muito triste e sensibilizada, pois gostava dela , mas era totalmente surreal . Pois não sabia muito bem o significado da morte. Olha que convivia com essa palavra o tempo todo. Sou filha de pai diabético e mãe cardíaca e todos sempre achavam que minha mãe ia morrer. Então na minha casa existia um certo cuidado com ela. E de certa forma me preparavam para isso. Mas tudo ocorria bem , e minha mãe engravidou do meu irmão José. ....Pânico total, ela nunca poderia ter tido eu e foi arrumar uma segunda gravidez. Diga se de passagem que os partos dela, no caso o meu até Dr. Zerbini, participava , não me lembro bem, mas era uma gravidez de alto risco.
Meu irmão nasceu , sem grandes problemas e logo em seguida ouve a operação dela. A terceira, válvula mitral que ela colocava no coração. No Beneficência Portuguesa, acho que é o que eu mais conheço de São Paulo.
No ano seguinte meu pai morreu, minha maior dor, meu maior choque, despediu -se de mim com uma naturalidade e segurança que ali parecia "TUDO" . Meu esteio partiu, fui ao enterro, depois de receber a noticia, sem entender muito o por que, pois sentia a presença dele ao meu lado. Era um o contato real e surreal ao mesmo tempo. Passamos um fim de semana juntos, ele começou a ter infarto , um atrás do outro e não resistiu. Nem eu .......passei a agarrar todas as lembranças dele na minha cabeça, pois vivia com ele a maior parte do dia e da noite também. Pois todos não queriam incomodar minha mãe. E eu crescia como um piolho do meu pai, no mundo dele. Ia para a faculdade federal de Botânica e também para o horto florestal, que era mantido na época pela federal. Vivi os anos da ditadura pelo olhar do meu pai. Ele ajudava os estudantes e sempre correu muitos riscos. A vida dele , era um risco, ele se punha em risco. Mas sempre me senti segura, principalmente na presença dele. Assisti professores falsos na sala de aula, pneu do nosso carro sendo furado, livros da minha casa sendo roubado. E vivia aquela aventura como se fosse um preparo para uma parte do que sou hoje.
Até então o ocorrido não tinha imagem, mas me deixava triste e incrédula. Via meu irmão crescendo e ficava triste por ele, pois não poderia nunca sentir a segurança que eu sentia de ter meu pai ali do meu lado. Minha mãe ficou completamente sem noção de nada, não consigo me lembrar dela nessa época, sei que sentia medo dela morrer também e nunca mais voltar. Mas era um sentimento diferente.
Eu me achava auto suficiente, ia para onde queria , saia e voltava sem ninguém perceber. Ia ao cemitério visitar e arrumar a nova morada do meu pai e nunca ninguém ficava sabendo. Fui crescendo sozinha, observando tudo e todos, mas escolhi em exemplo de pai, meu tio Sílvio, meu padrinho, um porto seguro, não pela forma altiva da voz ou pelo jeito firme de ser, mas ao mesmo tempo sempre sensível as causas humanas principalmente as dos mais próximos. O amor dele aos animais, o jeito que ele tinha quando me pegava no colo, me chamava de Trio, e nem ele devia saber que eu prestava atenção naquilo tudo. O bem que ele estava fazendo! Ele faz quadradinhos com o miolo do pão.... e outras coisinhas mais, contava "causos" de pescador e de animais também. De um dia ter saido e se esquecido da hora, voltou com uma jaca na mão para amansar o pai.... E isso tudo me passava serenidade, porque era símbolos, e símbolos sempre me lembravam o meu pai . Perdas são difíceis para todas as pessoas. Mas elas vão deixando um caminho para a gente seguir, é só observar....e ai estava a minha segunda chance de um exemplo masculino a ser seguido e admirado. E finalmente tentando me organizar diante da bagunça emocional e dos símbolos que ficaram guardados na minha mente. Eu valorizo muito símbolos e considero sim que um objeto lembre perfeitamente alguém ou alguma situação. Me senti acolhida, por este tio que tem o meu nome e me dado o apelido de Trio. Confesso agora que tive um ciúme danado, afinal ele tinha três filhas mulheres, e meu irmão era o “escolhido”, no sentido homem e ainda mais pequenino, pois não tinha nem 1 ano completo quando meu pai morreu. Mas o Trio me confortou e abriu o espaço que eu queria," ser querida". Queria ser diferente delas, e foi travada uma luta imensa nesse campo emocional dentro de mim , é claro. Um ciúme imenso da que tinha a minha idade pois ela é a mais parecida fisicamente com meu pai. Um amor pela a mais velha , que é como um exemplo do que é ser feminina. E também um amor grande pela caçula que eu considerava minha caçulinha e através dessa aprendi com minha tia como se educa e se tem uma família. Uma mesa posta, a conversar sobre tudo... coisas que uma família faz. E a minha era desfalcada. Aprendia lá e punha em pratica na minha casa. Para minha mãe voltar a sentir gosto pela casa. Tinha meu avô que fazia parte desse mundo também, e teve uma grande importância na minha história de vida , pois sua inteligência, força eram inacreditável. Minha mãe aos poucos se recuperou, encontrou um homem espetacular que tornou-se meu padrasto. Não ouve transferência nenhuma para ele, pois já era crescida para isso, mas o amei e o tornei membro da nossa família. Ele fez o mesmo por mim e tornei também membro da família streghone dele. Isso é uma honra, que guardo no meu coração para sempre. Como tudo na vida tem um motivo, vi a importância dos símbolos ali, na casa dele e na minha transformação. essa casa na Itália. Aldo, foi um homem da casa, que preencheu o vazio da minha casa. Mas para o meu crescimento e figura paterna que toda criança precisa de ter, meu coração já tinha dono. Claro depois do meu pai. Que todas as crianças entendam, não é substituir é amar, e ter referencias positivas na vida.
Tio padrinho não sei lá quantas vezes .... que este batismo não foi só em pia de igreja mas foi no coração e sacramentado por um nome pagão que é o que eu assino :Trio ,em homenagem ao senhor. Mas tenho muito orgulho e todos sabem na rede e fora dela que temos o mesmo nome.
Trio Cesarini
PS- Este texto vai saiu no "jornal" que ensinamos os meninos de um semi orfanato", "pois não funciona como creche, para passar uma idéia para essas crianças que perderam os pais , no caso ali muitos morreram no corte da "moto -serra" e trabalho de bóia -fria. Fiz uma palestra, mostrando a importância do adulto na vida elas. As mães ouviram com o maior interesse . Frisei bastante o não poder ter preconceito na escolha da criança, em religião, cor, sexualidade e tudo mais. o que importa é a escolha da criança.
O resultado foi e excelente....pude notar pelas perguntas e casos que estão planejando contar na próxima edição, cada um contou o seu com entusiasmo , alegria e tristeza, mas de estarem podendo falar dos que perderam foi um desabafo total e de quem admiram ,uma choradeira emocionante.
Sei que ensinamos a pescar, e a importância de um jornal local até para dar noticias e precisão do vilarejo. Agora é acompanhar a "cria" de longe.
O que mais me marcou foi um dos meninos de uns 12 anos, sem muita referencia, dizer que meu tio parecia o velho do rio, aquele que transforma em cobra e protege a gente. Dona Trio, vc não viu a novela "Pantanal" vi sim, mas tu não é muito novo para ter assistido. Ele me disse que a avó conta toda noite. E é este ai sim Dona, vou colocar o retrato dele perto de mim, te juro que é ele. E se ele fez a senhora" virar isso" gostei disso rsssss, vai fazer eu ficar grande.
Sei que a emoção foi grande e espero que esta obra se frutifique, seja a criança de que religião for.
5 comentários:
Após este texto tão lindo o que posso dizer?
Apenas que és abençoada: por ter esses maravilhosos homens em tua vida e principalmente por saber quão maravilhosos eles são!
Mil besos amada!
Luciana Onofre
Amei, sou medico e sei o quanto é importante essas crianças terem referencias. Queria estar ali pescando também rssss. parabéns Trio , já sou teu fã no Tribos e no jornal tb , agora vou freqüentar aqui.
Só um comentário , a letra podia aumentar né???
Bruno
lindíssimo texto!
seja bem vinda, e ótimo trabalho.
beijos
Oi Bruno obrigada pelo feedback.
Cuidaremos do tamanho da fonte.
Um abraço e sempre bem-vindo.
Luciana Onofre
Minha querida Trio,
Sensível, doce e gratificante é como defino o que li e senti.
Uma viagem ao fundo do meu coração, às minhas lembranças, aos meus encantos e aos meus símbolos.
Grata por este encantamento.
Um doce beijo
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