6 de março de 2010

A ÚNICA VERDADE É AQUELA QUE FAZ TODO MUNDO FELIZ




Gostaria que com essa história refletíssemos um pouco sobre o que falamos, como falamos e quando. Porque só existe uma verdade, mas será que precisamos mesmo em nome dela ferirmos os outros? Ou até nós mesmos?

As histórias desde sempre tiveram o poder de nos religar, e é através de uma delas que faço essa reflexão.


História tirada do Shrimad Devi Bhagavatam, traduzida e recontada da Revista Darshan por mim mesma.

Swaha! Era o som que ecoava por todo o vale onde se realizava um grande Yagna, a cerimônia sagrada do fogo.
Devadatta e Rohini convidaram os maiores brahmanis ( sacerdotes) de toda a região para conduzirem o Yagna.Todos os seus desejos e orações eram dirigidos aos céus pelo som do Mantra. Isto por que o casal desejava muito ter um filho para continuar a linhagem, para ensina-lo as canções dos Vedas e os antigos rituais, como acontecia em toda família Brâmane.

Ao fogo era oferecido arroz, ghee, e cada silaba do mantra deveria ser pronunciada corretamente, para agradar a Deusa Saraswati, aquela que é a Deusa da fala, das artes e do conhecimento.

Tudo estava acontecendo perfeitamente, até que Govila, um dos mais velhos sacerdotes, pronunciou uma das sílabas do mantra errado.
Devadatta não pode conter sua ira, e disse ao velho brâmane:
- Qual é o problema com você, um dos maiores mestres e recitando o texto como um iletrado?
- Todo homem pode errar, Devadatta, e por suas palavras, quem se tornará um iletrado será seu filho!

Percebendo o erro que havia cometido ao destratar tão grande Mestre, Devadatta se jogou á seus pés pedindo por sua compaixão. Este, vendo o jovem brâmane tão desesperado, falou com compaixão:
- É muito tarde para voltar atrás com as palavras. Porém, apesar da criança crescer como um ignorante, talvez bem mais tarde se torne um sábio.

Um ano depois, nascia a tão desejada criança, e os pais se esqueceram da profecia.
Ao fazer 8 anos, seu pai preparou uma cerimônia de iniciação, e começou á lhe ensinar os textos sagrados, mas a criança nada aprendia.

Um dia, irritado com o filho, que não conseguia aprender nem um dos mantras mais fáceis,
virou- se para o menino, e gritou:
- Afinal, estou ensinando á meu filho ou á um macaco?
O menino olhou para o pai, e pulou de onde estava sentado. Correu através das ruas ,cruzou
todo o vilarejo, continuou correndo até se esgotarem todas suas forças.
Nisso, ele viu um templo de pedras, e entrou. Lá dentro, não se ouvia nenhum som, só o do seu coração batendo forte. Parecia que ele ouvia uma voz, ou seria uma música?
Foi caminhando mais para dentro do templo, e foi ai que ele a viu.
Se sentou em frente á linda mulher de pedra, que brilhava como uma luz branca. Ele perguntava se a música que ouvira não seria da veena que ela carregava. Ali, se sentia em paz, e sempre retornava para ficar ali, quieto, sem ninguém para critica-lo. Ele não sabia, mas aquela era a imagem da Deusa Saraswati.

O tempo foi passando, o pai continuava tentando ensinar as escrituras ao filho, até que um dia o menino ouviu o pai falar com sua mãe:
- Tenho tanta tristeza em ter um filho assim. Preferia não ter tido um filho ao ter um ignorante como este.

Ouvindo aquelas palavras tão duras, decidiu ir embora. Partiu á noite, quando ninguém o veria. Passou á viver no meio da floresta, se banhando no Rio Ganges, se alimentando de frutas, vivendo a vida de um renunciante. Ele não sabia nada dos Vedas, não sabia oferecer nenhum sacrifício aos Deuses. Não conhecia nenhum Mantra. Mas sentia uma paz enorme, como nunca conhecera antes.
Enquanto o tempo passava, ele falava cada vez menos. Mas quando o fazia, suas palavras eram vivas, diretas, e sempre cheias de verdade. O povo que vivia por ali, não sabia nada sobre ele, e lhe deram o nome de “Satyavrata”- aquele que fala a verdade.

Quatorze anos se passaram. Um dia, ele estava retornando com as frutas para seu almoço, quando um enorme javali cruzou correndo assustado. Ele estava ensangüentado, e os caçadores estavam atrás dele. Satyavrata gritou para o javali:”Aí”, e apontou um esconderijo.”Aí, vá por aí..
Nisso, o som dessa palavra começou a vibrar dentro de seu corpo, mais e mais forte, e ele se viu envolvido por uma brilhante luz branca.

Enquanto o javali se escondia, chegaram os caçadores:- Para onde ele foi? Perguntaram.
Satyavrata nada respondeu. Sentou- se em Lótus e ficou olhando o Rio.
- Ei, você, aonde está o javali? Diga logo!

Satyavrata estava imerso no som de uma linda música, e sentia a presença da Deusa Saraswati. Ele não poderia imaginar, mas quando indicou o esconderijo para o animal, ao pronunciar Aí, ele havia dito parte do mantra da Deusa, AIM.
Instantaneamente, ela havia banhado Satyavrata com sua graça.
Os caçadores insistiam para ele dizer onde estava o animal. Por um momento, ele ficou confuso, pensando:
- Como posso dizer uma mentira?A família destes caçadores podem estar com fome. Mas como posso dizer a verdade e deixar um inocente animal ser morto?
Ele olhou para as águas do Rio, e ouviu uma voz clara e forte. Era Saraswati, que abria as portas da sabedoria para ele, e lhe dizia:
“Aquele que vê, não fala, e aquele que fala, não vê. A única verdade é aquela que faz todo mundo feliz.

Satyavrata, sorrindo para os caçadores, falou: “Quando se fala algo que traz infelicidade para alguém, isto não é a verdade. Somente o que traz felicidade para todos pode ser verdade. Tudo o mais é falso. Agora vão.”

O tempo foi se passando e ele foi se transformando em um sábio- poeta. Suas palavras eram recitadas por vários buscadores, e ele era celebrado como “Satyavrata – Aquele que fala somente a verdade.

[A Deusa Sarasvatí no hinduismo é a Deusa das artes, da música, da fala, e da escrita.]

5 comentários:

nur disse...

Adorei !!!

Luciana Rennó disse...

Oh querida, obrigada...estou amando esse novo espaço. Beijos

Quimera disse...

Tem um selo pra você no "Cartas de Quimera".
Beijocas

Valéria Cordeiro disse...

Adoro esse passeio ,aqui encontro um mundo encantado para meus netos ,me delicio com as dicas, indicações de livros ,enfim ...é uma feliz viagem p/ mim ,abraços agradecidos no coração!

Luciana Rennó disse...

Quimera: só vi agora, vou lá ver, obrigada.