Em meu tempo de menina pequena, e adolescente virei muitas curvas.
Andamos por muitos lugares, cidades, bairros, países.
Migrávamos conforme o desejo do meu pai em ir em frente, em busca de outras coisas, pessoas, novidades.
Minhas maiores lembranças são de caixas de papelão sendo preenchidas com todas nossas coisas.
Não criamos laços profundos com ninguém, mais do que com os nossos primos, primas, tios e tias, que íamos encontrando nessas andanças.
Ciclicamente todos os dezembros dessa época voltávamos à casa materna dele, onde todos nos encontrávamos para celebrar as datas.
Isso sempre era uma descoberta de re-conhecimento mútuo, sobre o quanto tínhamos mudado, crescido, apreendido nas andanças dos 12 meses antecedentes.
Pegávamos a estrada sempre de noite, e viajávamos mais de 15 horas seguidas, atravessando a fronteira entre nosso país e o dele.
A casa era festa.
E ao finalizar sempre batia a tristeza.
Claro que naquele então esse ir e vir, era interessante, divertido, o máximo para 2 meninas pequenas que nasceram nesse movimento incessante.
Eis por que eu nasci numa cidade, e minha irmã em outra, e minha mãe em outro país, e meu pai em outro também.
Éramos, somos, almas nômades.
Sim, muita coisa deixou de ser vivenciada por nós duas: o criar laços com amigos e chamá-los hoje de "amigos de infância", o manter namoros longos quando entrei na minha adolescência, o viver longe de familiares, até por que eles mesmos também se mantinham migrando.
Laços não eram nosso forte.
Nem apegos, nem lágrimas por estar partindo.
Disso obviamente muita coisa derivou em nosso hoje como mulheres adultas. Coisas boas e outras não tão boas.
Mas, há a lembrança de estradas percorridas, de pessoas perambulando nelas, como os grupos indígenas otavalenhos no Equador, com suas roupas lindamente coloridas, passando ao longo da estrada com suas crias amarradas nas costas, e no rosto uma feição plácida.
Nossas chegadas a muitas cidades grandes e pequenas, e nosso maravilhamento com a diversidade, que se descortinava com isso aos nossos olhos, e mentes.
E assim, e por isso, crescemos amando o diverso, o diferente, o exótico.
Lembranças das sombras das árvores em águas do rio Amazonas. Do medo às cobras que de noite cismavam em "pular" dessas árvores sobre os incautos.
A surpresa ao acordar ouvindo outros indígenas presenteando meu avó com jaguatiricas, tartarugas, ou o barulho louco dele correndo para afugentar a capivara que comia os ovos das galinhas...
O cheiro amoroso da garoa matutina, da humidade na terra ao sol nascer em pequenos povoados que nos encontravam dormindo ainda dentro do carro...Em plena cordilheira andina.
A possibilidade certíssima de olhar pela janela e dar com os olhos na neve, na montanha nevada ou com um vulcão que apavorava...
Sons distintos, culturas e línguas diferentes fizeram parte do meu crescimento, do meu tornar-me mulher jovem.
Disso tudo eu sinto falta.
Falta ao saber que minha cria não viu o que eu vi, vive de uma outra forma mais, por assim dizer, enraizada.
Por que dentre perdas e ganhos, eu gostaria imensamente que eles pudessem ter um pouco do que vi quando pequena, mesmo que seja um 10% daquilo tudo.
Eu sinto uma ausência, de imigrante, de nativa de outras terras, uma ausência-falta-vácuo quanto ao saber que, quiçá eles não percorram nunca as estradas pelas que passei...e vejam o que vimos.
Quiçá por isso sem intencionalidade, sem ter criado pautas, os criamos livres, com o conceito de saber-se livres para ir e vir, de fazer suas escolhas...
Mesmo que digam que são muito novos para que lhes falemos disso, o fazemos.
Mesmo que meu marido não seja nômade como eu.
Mesmo que ele tenha crescido nesta Ilha, em família "convencional".
Temos eu e ele a mesma alma, o mesmo espírito do desapego e da liberdade.
E ao mesmo tempo se repete hoje em meu lar por mim formado, algo que era no meu nascido: o viver satisfatoriamente em 4, sendo o suficiente para os 4 isso.
Temos o mundo que nos cerca, temos hoje, para eles, uma família "fixa e tradicional: a paterna", temos nossa casa, claro, mas somos diferentes dos demais, dentro do núcleo social, por ser bem satisfeitos em contar para o que for com nós 4.
Não que sejamos auto-suficientes, nada disso, seria muito peremptorio e egóico. Mas sim podemos passar dias, uma semana toda sem ter que depender de nada externo.
Em suma, a saudade de otros tempos, não diria melhores, mas sim fartos, inspirou hoje esta Bruja en su Casa.
Espero Alícia e Felipe, que aproveitem ao máximo esse maravilhoso mundo novo que se abre para ambos a cada amanhecer!
(Originalmente publicado em 21/02/09 no Germinando)
Besos,
Luciana
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