9 de fevereiro de 2009

Lendas, Mídia e Distorção


As histórias infantis são quase todas oriundas de lendas e mitos que na literatura denominamos como o "fantástico maravilhoso", corrente literária que teve berço na Europa e que aqui na América Latina se fez conhecida após a publicação de autores nativos como Jorge Luis Borges e García Márquez, entre outros... Logicamente que com uma roupagem distinta e mais adulta, mas a magia sempre sendo uma constante. Ficando claro que tal denominação veio a catalogar uma literatura já existente faz séculos.

A diferença entre essas duas vertentes é que os contos europeus sofreram mutilações e metamorfoses vindas dos regimes patriarcais e que cercearam radicalmente o lado positivo daqueles que nelas praticavam magia, dando-lhes conotações grotescas e pejorativas. Já aqui na América Latina o mágico continua como sendo parte do cotidiano sem causar espanto ou temor, pois os personagens encaram como normal, atos sobrenaturais relatados por eles nas histórias; (entenda-se o “sobrenatural” como qualquer acontecimento que foge do normal e do explicável racionalmente).

Nos relatos europeus as personagens femininas dos contos de fadas sofreram uma romantização escancarada a fim de serem aceitos pelos leitores e terem as publicações vendidas por muitos, sendo que tais contos de fadas originalmente não estavam direcionados ao público infantil, mas sim ao adulto e em contos como Branca de Neve, por exemplo, teríamos uma versão mais crua e sarcástica da mocinha, do que aquela que conhecemos hoje. As bruxas, fadas e mulheres neles retratados não possuíam o perfil caricato que sempre é relacionado a elas. Eram seres mistos de bondade e maldade ou se for do gosto do leitor, do lado sombra e o lado luz.

Tais contos eram deleite do público adulto; a principio repassado de forma oral e tendo em si quase sempre fundamentos em mitos regionais que ultrapassavam os limites geográficos e lingüísticos.

Em dado momento foram tomados emprestados por alguns escritores, que sabendo ser quase impossível que alguém reivindicasse a autoria, pois certamente o autor estava morto há muito tempo; os transformaram em leitura infantil, pincelando-os logicamente de avisos e alertas quando as crianças foram incorretas, ou sucumbissem à desordem e desobediência paternas e da igreja, e para tanto criaram todo um cenário de terror mesclado a animais humanizados, (aqui devemos entender em toda a sua amplitude a humanização), enfatizando a maldade intrínseca à prática de magia, a vilania dos seres que a praticavam, e seu desejo diabólico de causar danos e mal; assim como se distorceu completamente a figura feminina proporcionando-lhe um ar de candura, submissão e incompetência perante a vida e principalmente perante si mesma.

Daí pulamos ao século XXI... E ainda que tenhamos ultrapassado a barreira do tempo e estejamos convictos de sermos seres modernos, independentes e racionais, nos deparamos com as mesmas histórias infantis, apresentando o mesmo cenário de exploração da imagem feminina e de menosprezo pela sua autonomia, pois os contos são os mesmos, e como agravante agora estão mais vivos do que nunca, pois temos a maravilha do filme, que torna vivos e extremamente presentes estes personagens no ideário de todos, não somente das crianças.

E as bruxas e a magia ganharam espaço nessa nova mídia.

Pois podemos encontrá-las em novelas televisivas, em seriados combatendo demônios (o que de acordo aos preceitos religiosos atuais é politicamente correto), em mini-séries, no cinema, em fim em quase todo espaço publicitário. O problema para nós bruxas de verdade, que não perseguimos e matamos demônios, nem usamos meiotes listrados e chapéu de cone, e nem temos como grande amigo a um ser roxo indefinível, é que a bruxa e a magia veiculada pela mídia, não é a bruxa e a magia que existe no mundo concreto.

Muda o ambiente, o público, ganha nova roupagem o personagem, sofrem releituras as lendas e mitos, mas a essência é sempre imutável, a de apresentar a magia e os protagonistas maravilhosos e fantásticos como seres desprovidos de motivação positiva, de emoções firmes e recheados de maldade e perdição.

Quem já não chamou de bruxa alguém que não simpatiza ou quer mal? A razão? As pré-noções semeadas ao longo de séculos, incutida sutilmente a través de contos que a primeira instancia se mostram inofensivos e agradáveis... Mas que de inofensivos nada possuem, pois se passa a narrativa inteira esperando o desfecho, o “gran finale”: A morte ou prisão eterna da bruxa má, do mago perverso e a recompensa doce do amor rosa para o casal de apaixonados perseguido na trama.

E em meio a tudo isso estamos nós, pagãos reivindicando nossos direitos, mas sentindo certo prazer em ver que estamos na mídia, seja lá como for, mas estamos! E que a magia está em alta, então há uma chance de sermos finalmente entendidos, ou seja, em outras palavras: aceitamos os quinze minutos de fama e exposição que a mídia nos regala mesmo que seja num tom de brincadeira de mau gosto e de desvirtuação. E os poucos que dentro do nosso universo pagão possamos nos levantar contra, corremos o risco de parecer desmancha prazeres e pessimistas. Afinal seja bem ou mal, mas falem de mim, diz o ditado!

Mas será que compensa? Será que ficar em cima do muro somente observando e aplaudindo uma que outra vez, paga os dissabores que passamos ao não sermos compreendidos quanto à nossa religiosidade? Ou quando ao identificar-nos como pagãos alguém ri baixinho ou se mostra assustado?

Creio que não compensa. Creio que permitir que crianças, as nossas principalmente, sejam expostas dia-a-dia a programas infantis onde a “bruxa é má” sempre, e as fadinhas são as figuras encantadas mais doces, (e como se sabe esse povo pequeno é encantador mais um tanto quanto rebelde e às vezes nada doce) não compensa; não porque assim estamos negando nossa luta diária por um lugar ao sol, dentro desse infinito leque religioso que o Brasil apresenta. Mas que teima em desrespeitar a magia, aos bruxos, aos pagãos. Alguém já viu uma novela com membros de outras religiões como as afro-brasileiras, ou espíritas, onde eles aparecem como caricaturas ou seres execráveis? Ou onde as falas denunciam um caráter nefasto quanto a suas religiões? Eu nunca vi.

Mas ao permanecer calados ou cegos quanto à quantidade de mensagens sublimares ou não, às que estamos submetidos contra nossas crenças, estamos dando espaço para que mais produtores, patrocinadores e corporações, invistam numa mídia que usa o estereotipo da imagem da bruxa má, e da magia negra para vender mais e cativar audiência!

Bem, devem estar perguntando o porquê de tanta explanação ou pensando “ ela deve odiar a mídia”, não a odeio, ela é muito útil para todos, mas também perigosa se não tivermos consciência dos nossos direitos e liberdades e principalmente se não exercermos nossa cidadania, pois podemos sempre que desejar ser contra o que nos oprime ou causa desconforto. E bem meu objetivo é enfatizar que além irmos à busca de material bibliográfico coerente e sério, devemos também primar pela seriedade dentro de outros contextos onde a mídia banaliza nossas crenças e nos transforma em títeres burlescos para o público, tais mídias são logicamente a TV, o cinema, a mídia impressa e incluso o teatro.

Então fica a questão, devemos permanecer em estado catatônico e alheio ante a distorção da nossa identidade? Ou estamos pagando um preço muito alto pelo comodismo e tolerância e que em longo prazo pode nos cobrar juros, correção monetária e queda na cotação do mercado de ações?

Luciana Onofre

Imagem: Arquivos do Corbis. The Sleeping Beauty by Richard Eisermann

6 comentários:

([säm]) disse...

Ah Luci...as vezes parece que a gente acorda de um sonho pra entrar em outro. Como quando a gente acha que "ah...agora eu consigo compreender a trama de toda essa corja e posso decidir por me afastar disso e pensar por mim mesmo"...e ai a gente percebe que as pessoas se acostumaram ao errado....que elas trivializam a morte...que é tudo muito normal...as pessoas morrendo por uma garrafa de cerveja, um jogo de futebol...a amazônia sendo devastada, uma coisa grotesca que salta aos olhos de tão brutal...e ai as pessoas vêem isso na tv...no jornal, sabem que acontece...se chocam momentâneamente...a notícia muda pra outra coisa e ela nem lembra mais o que comeu no café da manhã...quanto mais da amazônia distante...e do desmatamento da rua de baixo. Enfim...

Estamos imersos na inércia da ação e do pensamento...pois parece que algo turva nosso raciocínio para que não tomemos uma atitude aqui e agora pra resolver a questão.

Tudo isso em nome do pseudo progreso...a religião antiga deve ser dizimada...o conhecimento deve ser deturpado...o mundo deve se moldar a nós...e ainda devemos dominar tudo...e aqui estamos =/ ensinando para nossos filhos, amigos, sobre a tradição antiga....sobre as bruxas...a história toda...enquanto o mundo inteiro nega o que dizemos...seus professores...a tv...as crianças que adoram tirar um sarro de alguém e discriminar...e por ai vai...

Meu único consolo é que sempre existirá em qualquer tempo...alguém...uma única pessoa que seja...ou mais...que questionará...que irá contra...que verá tudo o que há pra ser visto...que saberá tudo o que há pra ser conhecido...a Mulher Selvagem estará presente em cada ato de conciência...ela deixará marcas por onde passar...que serão reconhecidas por aquelas que vierem depois. Você é uma delas...as mulheres que queimaram sutiãs...as que se alegraram com a morte do profeta e pintaram as mãos de henna, os pensadores livres, os inventores para um mundo melhor. Não estamos sós.

Luciana Onofre disse...

Querida não estamos mesmo!
Eu agradeço a Eles, estes encontros abençaodos!

Fernanda disse...

Os média distorcem sempre a verdade, esse é um facto. Um confronto contra isso seria inglório. No entanto quem procura a verdade acaba sempre por encontrá-la.
Você não é responsável por ninguém, excepto por si própria Luciana!

Bjos

Fragmentos Betty Martins disse...

._______querida Luciana





muitos PARABÉNS!




por este "espaço"






.foi uma benção chegar até_________AQUI:=)






_______///








beujO_______ternO

Anônimo disse...

De acôrdo mas não creio que inércia tenha sido a tônica das mulheres não.
Lembrando das minhas ancestrais, agora compreendo o que elas faziam, o que diziam.
Bruxas amorosas e muito amadas.
De algum modo, recolhi isso e depois de adulta, fui estudar essas coisas.
Nem pro bem nem pro mal.
Prás duas coisas, pois incitar uma pessoa que vale a pena ser incitada ou incitar porque "merece ser", é parte do cotidiano, tá aqui no momento , em cada ambiente.
Obrigada.

Unknown disse...

Olá queridas!
Coloquei um link com imagem de seu blog...mas como sou meio burrinha, aparece códigos! Já fiz mil coisas e não some!
Sabe me ensinar algo?
bjs